Pe. Alfredo J. Gonçalves
A 28ª Jornada Mundial da Juventude (JMJ) terá como
cenário a metrópole do Rio de janeiro. O tema foi exraído de uma frase bíblica
do Novo Testamento: "Ide e fazei discípulos entre todas as nações” (Mt 28,19).
É clara a sintonia com o Documento Final da V Conferência Episcopal da América
latina e Caribe, realizada em 2007, na cidade de Aparecida – SP, também no Brasil.
Nos dias 23 a 28 de julho de 2013 são esperados na "cidade maravilhosa” milhões
de jovens provenientes de todas as partes do mundo. Muitos deles já
participaram de marchas com a cruz e o ícone de Nossa Senhora, símbolos do
grandioso evento. Entre os jovens, um de quase 80 anos tem especial destaque.
Seus gestos e palavras, simples e improvisados, apontam para uma renovação do
Vaticano e da Igreja, numa tentativa de refrescar-lhe os pulmões com novos ares
e um oxigênio primaveril. Trata-se, evidentemente, do Papa Francisco que, de
alguma forma, lembra a abertura profética do Concílio Ecumênico Vaticano II,
pelo então Papa João XXIII. Aliás, do ponto de vista religioso, a JMJ/2013
ocorre no Ano da Fé, proposto por seu predecessor Bento XIV e nas comemorações
do cinquentenário do mesmo Concílio.
O ponto culminante das Jornadas Mundiais da Juventude, em
suas últimas edições, tem sido o encontro com o Pontífice. Desta vez, porém,
dada a atitude de Jorge Mário Bergoglio junto às audiências papais e à oração
do Angelus, em Roma, o afluxo de jovens parece florescer com mais vigor. De
fato, a Praça São Pedro vem sendo cada vez mais concorrida após a eleição do
atual Papa. Contam-se às dezenas de milhares o número de presentes,
especialmente aos domingos e quartas-feiras. Entre estes, porém, o que mais
impressona é a quantidade de jovens e adolescentes. Chegam em caravanas dos
pontos mais diversos da Europa e até de lugares mais distantes. Para quem
participou de algum destes encontros, é imediata e manifesta a empatia entre a
espontaneidade do bispo de Roma e a alegria efusiva dos jovens.
Que buscam estes? O que os atrai à praça e ao coração da
Igreja? Por que esse afluxo crescente, tanto em número quanto em entusiasmo? O
certo é que na fase da adolescência e da juventude, todo ser humano necessita
de referências para acertar os próprios passos. É a fase de muitas mudanças e inquietações,
de caminhos tortuosos, de um intrincado labirinto cheio de portas e vazio de
saídas. Com o colapso das ideologias da modernidade e o advento da fragmentação
na pós-modernidade, deparamo-nos com a "era do vazio” (Lepovetsky). O
pensamento forte e sólido, mas também total e totalitário, deu lugar ao
pensamento fragmentado ou "líquido” (Bauman). Esse tempo de crise, porém, onde
as interrogações são maiores que nossa capacidade de encontrar respostas, embora
mais aguda nos jovens, hoje estende-se a toda a população. As "certezas” deram
lugar às dúvidas e as "verdades” foram substituídas por novas perguntas. O
jovem, neste caso (e em muitos outros), não é senão uma espécie de termômetro
deste momento de "transição paradigmática”, conforme a avaliaçao de muitos
estudiosos de todos os matizes. Sendo mais autêntico e espontâneo, é o jovem primeiro
a "virar a mesa”, a desmascarar a formalidade solene que, não raro, encobre
lacunas inconfesadas e inconfesáveis.
Nessa transição, os adolescentes e jovens em especial,
que buscam forjar e firmar sua identidade, sentem-se meio órfãos, solitários e
perdidos. Mas, cá entre nós, quem atualmente, em seu íntimo, não se surpreende
no meio de um deserto, com medo da noite escura ou paralisado pelo silêncio de
questões cujas causas e consequências simplesmente desconhecemos! Mas voltemos
aos jovens: por mais rebeldes que sejam, anseiam por um farol que os guie em
meio às tempestades, por uma palavra amiga e confortadora, por alguém que os
compreenda e ajude, pelo brilho de uma estrela. A família, a escola, os amigos e
muitas vezes a própria Igreja não conseguem dar conta de tamanha expectativa.
As instituições em geral são dilaceradas pelos mesmos conflitos que dilaceram a
sociedade. Lutando para resgatar a própria identidade, ou no desespero de
perdê-la, deixaram de ser um porto seguro para quem navega à deriva de ondas
cada vez mais ameaçadoras. Cabe aqui a advertência de Simone de Beauvoir: "As
estrelas se apagaram no céu, os marcos desapareceram da estrada e o chão fugiu
debaixo dos pés”. Em meio a tantos caminhos largos e sedutores, não é difícil
que estes se transformem em becos sem saída, como a droga, o álcool, a
volência, o sexo inconsequente...
Em tal vazio de sentido e de orientação, surge com força
inusitada o fascínio pelas celebridades: do esporte, da moda, da poesia, da
música, do cinem, às vezes da luta social... Essas, de alguma forma, assumem o
papel de pai/mãe, tio/tia ou companheiro/a, conferindo algum rumo à existência.
Num universo privado de referências morais e éticas, os comportamentos exóticos
e às vezes bizarros acabam exercendo grande atração. O marketing, a propaganda
e a publicidade, cada vez mais agressivas, se encarregam de iluminar tais
comportamentos com as luzes e os sons ilusórias do sucesso imediato. Com um
toque mágico, que vai direto à imaginação juvenil, os apelos batem à porta.
Chamam, insistem, reacendem expectativas, exigem resposta.
No fundo, tudo isso indica que há uma sede e uma
consequente busca pelo significado profundo da vida humana. Sede e busca que
vão além dos bens materiais, da riqueza e do sucesso, do ter e do poder, do
comprar e do descartar. Sede e busca que tomam o lugar do vazio deixado pela
desilusão, pelo fracasso e pelo insucesso. De onde vim, para onde vou, quem sou,
o que fazer com o par de anos que me restam? – eis as perguntas que se levantam
em meio ao sabor amargo de quem apenas vegeta, sem um horizonte definido. É a
interrogação fundamental pelo sentido da vida. Em termos místicos ou
espirituais, trata-se de responder ao chamado de uma existência que, para ser viva,
vibrante e intensa, deve ser saboreada com o tempero da autenticidade. Numa
palavra, um chamado à verdade, à liberdade e à felicidade.
Desde sua elição à cátedra de Pedro, a grande lição do
Papa Francisco é que o trinômio da verdade, da liberdade e da felicidade não
nascem no terreno complexo do racionalismo iluminista e positivista, embora
jamais possam descartar o uso da razão. Não crescem no labirinto das pesquisas científicas
e sofisticadas, apesar da necessidade do estudo e da ciência. Verdade,
liberdade e felicidade são simples como a luz do sol e das estelas, o canto da
água transparente que desliza sobre as pedras, o trinado dos pássaros; simples
e espontâneas como o sorriso largo das crianças, o olhar dos que se amam, o
peito aberto dos inocentes, a voz de quem não mente; simples e belas como o
botão que se abre em flor, o beijo, o abraço, o toque, a mão estendida e
solidária; simples e diretas como um "buon giorno” (bom dia), um "buona sera”
(boa tarde) ou um "buon pranzo” (bom almoço)... Tais como as palavras, gestos e
parábolas de Jesus.
O gesto e a presença amiga do Papa Francisco tocam mais
ao coração e à alma do que tantos discursos rebuscados. Os jovens e
adolescentes correm atrás não tanto de tratados filosóficos ou teológicos,
embora estes tenham um papel importante na cultura e na história da humanidade.
Buscam antes um olhar compreensivo, um coração que bate com alegria e
entusiasmo, uma alma amiga e misericordiosa. Em poucas palavras, uma referência
ao mesmo tempo sólida e flexível, que saiba incentivar e corrigir, amar e
perdoar. Tal como Francisco de Assis e, antes dele, Jesus de Nazaré. Eis uma
linguagem que todos entendem, particularmente os jovens e adolescentes.
Linguagem entre estes e o Papa Francisco que, na 28ª JMJ / Rio de Janeiro, deve
fazer a diferença. Trata-se, em síntese de encontrar uma busca de uma estrela
que lhes aponte o rumo da vida.
Não podemos esquecer, entretanto, o lado social que
emerge com energia redobrada nos gestos e palavras do atual pontífice. "Come
vorrei una Chiesa povera per i poveri, i ultimi, i più bisognosi”!, disse ele
numa audiência aos jornalistas (Como gostaria de uma Igreja pobre, para os
pobres, os últimos, os mais necessitados!). Eis aqui um desejo e um desafio de
um Pastor que vem "do fim do mundo”, acostumado a trabalhar na periferia. Um desejo,
sim, expresso na própria formulação da frase, mas, ao mesmo tempo, um desafio,
que vem da consciência dos obstáculos e resistências de uma burocracia milenar.
Desejo de retomar as intuições do Concílio Vaticano II, sobretudo em sua "opção
preferencial pelos pobres”, desafio que se levanta ad intra e ad extra,num
mundo que caminha em ritmo acelerado, mas que, simultaneamente, teme as
mudanças que ameaçam interesses pessoais, de grupo ou de nações.
Fonte: Adital
Fonte: Adital
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