Passaram-se pouco mais de 250 anos do martírio de Sepé Tiaraju, um cacique guarani que, no século XVIII, liderou o povo indígena na defesa das suas terras ancestrais e na luta de resistência contra Portugal e Espanha. Há alguns anos, constatei que, fora do Rio Grande do Sul, poucas pessoas conhecem a saga deste índio que deu a sua vida pelo povo. Mesmo intelectuais e professores de História me confessaram nunca ter ouvido falar de Sepé Tiaraju. Até hoje, ainda aprendemos a história do nosso país, contada a partir do ponto de vista de quem venceu. Na realidade atual do Brasil, lavradores sem-terra, grupos indígenas e movimentos populares celebram a memória de Sepé Tiaraju e querem que sua figura e mensagem se tornem conhecidas no Brasil. Sentem a necessidade de retomar, hoje, a mesma mística pela qual Sepé Tiaraju deu a vida e que, hoje, mobiliza toda a América Latina, a partir do conceito largo de “revolução bolivariana”, um processo de transformação não violento e baseado na educação popular.
O contexto no qual São Sepé foi
outro e ele teve de tomar armas para defender o seu povo indígena. Em seu
idioma original, o termo Guarani significa guerreiro. De 1610 até 1750, os
padres jesuítas reuniram esses guerreiros, homens e mulheres para formar
comunidades indígenas pacíficas e prósperas. Os Guarani endereçaram suas
energias para construir casas, consolidar técnicas de agricultura avançadas
para a época. Chegaram ao ponto de imprimir livros, fundir sinos de bronze,
fabricar violinos e compor música para tocá-los. A chamada “República dos
Guaranis” era formada por Sete Povos no Rio Grande do Sul e mais 26 pueblos, em
território que, hoje, pertence à Argentina e ao Paraguai. A Paz resultava do
trabalho comunitário e cooperativo, cujos frutos eram divididos entre todos os
habitantes. Ao contrário do que ocorria no resto do continente, não existiam
fortes desigualdades sociais. Não se permitia a convivência da riqueza com a
miséria. Na França da época, Voltaire, intelectual extremamente crítico ao
clero, sentiu-se obrigado a reconhecer: “A experiência cristã das Missões
Guaranis representa um verdadeiro triunfo da humanidade”.
Esta experiência comunitária, com
elementos socialistas, provocou o medo aos impérios coloniais. Em 1750,
Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Madri, pelo qual as duas potências
trocavam o território dos Sete Povos das Missões pela Colônia do Sacramento. Os
dois impérios se puseram de acordo em expulsar mais de 50 mil índios dos seus
aldeamentos, obrigando-os a abandonar suas casas, plantações, igrejas e
comunidades. Sepé, o “Facho de Luz”, era corregedor da Redução de São Miguel,
ou seja, prefeito da cidade, eleito pelos índios. Insurgindo-se contra esse
acordo dos grandes para destruir os pobres, Sepé Tiaraju liderou a resistência
dos guaranis, repetindo sempre a frase, decantada no Sul do Brasil, em prosa e
verso: “Esta terra tem dono”.
Esta luta dos guarani foi contada
de modo romanceado pelo filme “A Missão”. Infelizmente, na realidade histórica,
os padres jesuítas foram obrigados por seus superiores religiosos, pressionados
pelos governos, a abandonar as aldeias indígenas antes do massacre. E os índios
enfrentaram, sozinhos, os dois exércitos imperiais de Portugal e Espanha
reunidos.
Ao final da luta, enfrentando
tropas portuguesas, Sepé Tiaraju foi aprisionado. Pediu para falar com o comandante
inimigo. Este o recebeu depois de mandar amarrá-lo e tirar suas roupas para
humilhá-lo. Acolheu-o dizendo:
-- Não costumo conversar com
selvagens.
Sepé respondeu na língua
portuguesa:
-- O senhor está invadindo minha
terra, matando crianças e mulheres grávidas e eu é que sou selvagem...
O general mandou retirá-lo de sua
presença.
À noite, ninguém sabe como, Sepé
Tiaraju fugiu da prisão. Mas, poucos dias depois, em um combate em que ele
percebeu que muitos índios iriam morrer, ele preferiu colocar-se no ponto mais
arriscado da luta e tombou morto. Era o dia 7 de fevereiro de 1756. Poucos
meses depois, nada mais existia do sonho missionário de uma sociedade
comunitária cristã, mas o povo do Sul do Brasil, por sua própria conta,
canonizou o herói guarani e o homenageou com o nome de uma cidade: São Sepé.
Um fato que, nos últimos dez anos,
tem marcado o continente latino-americano tem sido o fortalecimento de um
movimento indígena continental e a ressurreição de muitos povos e comunidades
que eram consideradas extintas. Esta emergência social, cultural e em alguns
países como Bolívia e Venezuelana, também política, tem permitido a toda
humanidade beneficiar-se com a sabedoria ancestral destes povos originários que
muito nos podem ajudar a salvar ao planeta e a nós mesmos.
Em 2012, o nome do indígena missioneiro SEPÉ TIARAJU foi inscrito no LIVRO DOS HERÓIS DA PÁTRIA, que se encontra no Panteão da
Liberdade e da Democracia, na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Desde então, o nome de Sepé Tiaraju, por lei, passa a
figurar no Livro dos Heróis da Pátria, ao lado de personalidades históricas
como Tiradentes, Zumbi dos Palmares, Santos Dumont e D. Pedro I.
“As Missões Guaranis já haviam recebido o título de Triunfo
da Humanidade por parte de Voltaire, ainda no século XVIII. As ruínas de São
Miguel foram consideradas Patrimônio da Humanidade, por parte da UNESCO, em
1979. Agora, chegou a vez de prestarmos o devido reconhecimento à história de
coragem e luta pelo direito à terra de nosso herói Sepé Tiaraju”, comemorou
Marco Maia.
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