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São as águas de março fechando o verão...

Escrevi este texto exatamente no finalzinho de março de 2005 (final do verão aqui no Brasil), época em que, após intensas chuvas, muitas famílias foram vitimadas por deslizamentos de terra, enchentes, etc. Lembrei-me da música de Elis Regina e partilhei a seguinte reflexão (com as devidas adaptações).

Neste começo de verão – a "estação da luz" –, chove bastante aqui em São Paulo. O assunto que domina as conversas e os noticiários são as chuvas e suas supostas consequências trágicas.

Geralmente, a chuva é encarada como a grande vilã; ao primeiro sinal de “tempo ruim”, muitas famílias já ficam apreensivas, com medo de que venham a perder seus lares, pertences e até as vidas suas e das pessoas queridas, seja em decorrência de deslizamentos, seja em decorrência das enchentes. A natureza não é perversa, e nem essas famílias têm culpa de se submeterem a esses riscos. A chuva é essencial para a vida na terra, pois ela renova as fontes de água. Aqui em São Paulo, passamos por um longo tempo de estiagem e quase faltou água.

Para a religião cristã, a chuva e o orvalho são sinais da bênção de Deus, são dádivas para o povo:
“Deus te dê o orvalho do céu, a exuberância da terra, e fartura de trigo e de mosto.” (Gn 27,28)
“No deserto jorrará água e torrentes na estepe. A terra ardente se transformará em um lago e a região seca em fontes de água.” (Is 35,6—7)

Anchieta Dali, um poeta do Nordeste, já dizia numa das músicas interpretadas pelo cantor-forrozeiro Flávio José:

“Desce irrigando a terra, botando em cada fruto o seu sabor;
Mata a sede de quem sonha, pintando e dando cheiro a cada flor.
Manjar para a visão do sertanejo (...) Meus “zóim”, às vezes, chora de feliz!
Chuva, lava e cura mágoas. Esse rio deságua na cacimba do amor...

Então, o que faz com que essas famílias se sujeitem a arriscarem suas vidas na beira de córregos e nos morros das grandes cidades? Muitas dessas famílias eram camponesas, tinham o seu pedacinho de chão, e foram expulsas de suas terras por latifundiários ou por não terem mais condições de permanecer lá. Outras vieram de regiões pobres do Brasil (principalmente o Nordeste). Outras, ainda, vivem nesses lugares arriscados pela necessidade de estarem próximos aos seus lugares de trabalho (pois se morassem longe ou seriam despedidos de seus empregos ou não teriam como pagar a condução até o trabalho).

Enfim, seja qual for o motivo, elas vieram e/ou estão em busca de uma vida melhor. Mas vivemos numa sociedade capitalista e ela, sim, muitas vezes, se mostra perversa: às vezes, as famílias querem regressar para sua terra natal, mas não têm condições para isso; outras famílias, por sua vez, continuam vivendo em condições precárias nas metrópoles porque em seu lugar de origem iriam estar em situação pior (portanto, acabam escolhendo “dos males, o menor”. A lógica desse sistema é de "respeito aos contratos" com os ricos (responsabilidade fiscal), mas de desrespeito com a vida e a dignidade das pessoas e com a natureza (irresponsabilidade social e ambiental).

É urgente, em nosso país, uma ampla política de geração de emprego e melhor distribuição de renda, aliada às reformas urbana e agrária eficientes.

Com uma reforma agrária eficiente, os camponeses viverão com dignidade no campo, as grandes cidades não ficarão tão inchadas, será possível fazer um planejamento urbano eficiente e as pessoas que vivem nas cidades terão uma qualidade de vida melhor, além de uma alimentação sadia e que corresponda às reais necessidades e tradições dos brasileiros.

E se houver uma reforma urbana de verdade, não haverá mais imóveis desocupados, esperando que sejam valorizados; será dada absoluta prioridade ao transporte público, e também na melhoria de infra-estrutura das periferias.

Tudo isso só será possível com uma nova orientação da política econômica: que a política econômica NÃO ESTEJA ORIENTADA PARA ATENDER AOS INTERESSES DE POUCOS AFORTUNADOS, e sim que ela SIRVA COMO INSTRUMENTO DE PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS, DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (Constituição Federal, "Dos Princípios Fundamentais") E DE "UMA NOVA GLOBALIZAÇÃO, SOLIDÁRIA E SOBERANA".

Leia também o texto: "Chuva não castiga ninguém" (aqui neste sítio)

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