Marcelo Barros
monge beneditino e escritor
A cada ano, os cristãos de Igrejas mais antigas celebram
Quaresma e Páscoa. É um tempo oportuno para que, ao lembrar a morte e
ressurreição de Jesus, cada um possa se renovar interiormente e colabore para
transformar o mundo e tornar toda a Igreja e o próprio mundo mais pascal. Ainda
hoje, a Quaresma é associada a práticas de jejum e penitência. Em alguns
lugares, o povo faz via sacra e procissões tradicionais. Quem vê de fora pode
pensar na Quaresma como repetição anual dos mesmos textos e ritos. Entretanto,
ao contrário, Paulo escreve aos cristãos de Roma: "Já que vos dais conta do
tempo em que estamos vivendo, é hora de despertardes do sono, porque a nossa
salvação está agora mais perto de nós do que quando abraçamos a fé” (Rm 13,
11).
Para Paulo, a salvação não significa apenas o esforço para
se santificar pessoalmente, mas a realização do projeto divino no mundo e nas
comunidades. Ele insiste que, mesmo em meio às contradições da história, esse
projeto se realiza pouco a pouco e progressivamente. Isso não significa que o
mundo hoje seja mais humano ou justo do que há cem anos. Menos ainda que o
tempo, por si mesmo, traga soluções para a vida melhorar. Há quem considere
que, em vários aspectos, hoje, a sociedade seja mais violenta do que em outras
épocas, o individualismo mais exacerbado, a natureza mais destruída e o futuro
mais sombrio. Entretanto, apesar disso tudo, em meio a todas as dificuldades,
germina uma semente de paz, justiça e amor que vem do Espírito e vai na direção
do projeto divino no mundo. Seja como for, a consciência de direitos humanos, a
luta pela liberdade e pela igualdade entre homens e mulheres, de todas as raças
e culturas, tem crescido e é sinal de que aquilo que judeus e cristãos chamam
de Páscoa vai progressivamente se realizando não somente nos corações dos
crentes, mas mesmo nas estruturas do mundo.
A Campanha da Fraternidade dessa
Quaresma e Páscoa foi decidida há mais de dois anos pela CNBB, alarmada pelas
estatísticas que mostram o elevado número de assassinatos e violências
cometidos contra os jovens mais pobres no Brasil, especialmente os de raça negra
e moradores de favelas. Essa violência tem várias raízes na injustiça
estrutural de nossa sociedade, mas se alimenta com os conflitos trazidos pela
marginalização e pela frustração de muitos jovens privados de moradia, trabalho
e condições de vida digna que deveriam ser direitos de todos. Para diagnosticar
se um viaduto ou um edifício rachado estão sob o risco de desabar, engenheiros
e arquitetos examinam as condições dos pontos mais frágeis. Se as ligaduras e
junções consideradas mais fragilizadas suportarem bem a pressão cotidiana do
uso, eles consideram o viaduto ou edifício seguro. Se estas se mostram sob o
risco de caírem, todo o edifício está condenado. A sociedade humana também é
assim. E, por várias razões, a sua parte mais fragilizada e mais vítima das
injustiças sociais é justamente a juventude das periferias urbanas, das
comunidades rurais e de modo especial dos grupos indígenas e negros. As
estatísticas mostram que os jovens negros são as mais frequentes vítimas da
violência urbana no Brasil. E em algumas regiões, como o Mato Grosso do Sul, as
áreas indígenas continuam sofrendo com o número assustador de adolescentes e
jovens que se suicidam. Estas sociedades precisam de novas condições de vida. A
Páscoa é essa energia de esperança e de comunhão.
Para quem é cristão, o mais importante na Quaresma não é a
prática de devoções penitenciais que podem não trazer nenhuma mudança concreta
à vida pessoal e a da comunidade. O que Deus pede de nós e renunciarmos a tudo
o que for necessário e nos dispor a uma maior solidariedade com os projetos que
restituam à juventude do campo e da cidade uma possibilidade de vida nova e
pascal. Isso também para nós será fonte de profunda alegria. No século IV, o
bispo João Crisóstomo ensinava: "A Páscoa de Jesus vem fazer da vida da
gente, mesmo no meio das lutas e das dores, uma festa permanente de esperança e
comunhão”.
Fonte: Adital
Fonte: Adital
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