Depois do acarajé, a Fifa proíbe Mané Garrincha no Brasil
O secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, pensa com a
cabeça do colonialista e fala a linguagem dos antigos becos de Paris, da época
em que o Châtelet-Les Halles não fora ainda desratizado.
No ano passado, na sequência dos destemperos verbais do seu
secretário-geral, a Fifa anunciou a proibição da venda de acarajé no Estádio da
Fonte Nova. Decerto quer obrigar o povo baiano a ingerir as fast-porcarias que
acompanham suas venenosas bebidas.
A possível proibição do Acarajé, tombado pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como patrimônio imaterial da
Bahia, gerou grande descontentamento na população baiana, acarretando em
protestos especialmente das vendedoras dos quitutes, conhecidas como “Baianas
do Acarajé”, de membros do Ministério Público do Estado e de lideranças de
movimentos sociais e culturais do Estado, como do Movimento Negro, em razão da
origem do alimento, considerado sagrado no continente africano.
Além disso, o descontentamento também se deve ao fato de que existe uma
tradição nos Estádios de Futebol na Bahia, principalmente em Salvador, de se
comercializar o quitute na forma tradicional, qual seja, pelas “Baianas”,
devidamente paramentadas com trajes típicos, nos seus tabuleiros.
Segundo a presidente da Associação das Baianas de Acarajé e Vendedoras
(Abam), Rita Maria Ventura dos Santos, somente no interior do antigo Estádio da
Fonte Nova, desativado em 2007 e demolido em 2010 para a construção da moderna
Arena Fonte Nova, que sediará os jogos da Copa das Confederações e da Copa do
Mundo em Salvador, existiam oito baianas credenciadas, que deixaram de
trabalhar no Estádio em razão da desativação e ficariam prejudicadas com a
possibilidade da proibição.
Além das credenciadas, muitas outras Baianas seriam prejudicadas pela
medida, pois comercializam os seus quitutes nas imediações do Estádio,
consideradas, pela Lei nº 12.663, de 05 de junho de 2012, mais conhecida como
“Lei Geral da Copa”, como “Áreas de Restrição Comercial e Vias de Acesso”, nas
quais só poderiam ser comercializados produtos dos patrocinadores do evento.
Na última sexta-feira (6), o burocrata-geral da Fifa voltou
a dar o ar da sua graça, pois estava meio calado desde a gafe do ano passado.
Em comunicado vazado em frio e boçal estilo nórdico, o secretário-geral da Fifa
voltou a criticar a organização da Copa no Brasil, afirmando que "não
estará 100%", já que segundo os seus cronogramas os prazos acertados para
a entrega dos estádios caíram de seis para dois meses.
Vejam: "O feedback que recebi das reuniões operacionais
do governo com o Comitê Organizador Local – em cada uma das seis cidades-sede –
foi positivo. A Copa das Confederações será um torneio fantástico, mas todas as
operações organizacionais não estão 100%. É impossível esperar que isso
aconteça com o tempo de preparação reduzido – na maioria dos casos, em menos de
dois meses – ao invés dos seis programados". (Folha de S. Paulo on line,
6/4/2013)
"Organizar uma Copa do Mundo é um trabalho
infinitamente mais complexo e exigente do que o da Copa das Confederações, que
tem apenas 25% do número de partidas. A escala e a magnitude da Copa do Mundo
requer um mínimo de seis meses do enquadramento operacional", continuou o
professoral secretário-geral da Fifa. (Idem)
Mas a insolência da Fifa não ficou por aí e seu último
decreto terá tido no mínimo o efeito de revolver os túmulos dos craques de
todos os tempos e despertar as iras dos deuses do Futebol, inclusive as
temíveis entidades que se nutrem na Bahia de oferendas de acarajé. Agora, a
toda-poderosa decidiu que, durante as competições que organiza, o nome
"Mané Garrincha" não será permitido para referir-se ao Estádio de
Brasília, que já nasceu batizado assim. E mais, disse a Fifa que a ordem terá
de ser respeitada em propagandas e divulgações dos eventos. Aqui nesta página,
pode ter certeza a senhora, a única designação admissível para o estádio da
Capital Federal, já padronizada em norma editorial, será “Mané Garrincha”.
Nunca se viu tamanha ofensa não só à inteligência nacional,
tal escracho à alma de cada moleque, adulto ou velho que aprendeu desde a fase
uterina a idolatrar a mais brasileira dentre todas as figuras do mundo do
Futebol – Mané Garrincha.
Despudorada, a entidade secretariada pelo senhor Valcke
confessa que o decreto é uma imposição do "interesse internacional" e
uma obrigação derivada da necessidade de "manter a consistência dos nomes
dos estádios".
Os burocratas da Fifa, em sua sacrossanta ignorância, acham
que nomes como Mané Garrincha, Maracanã, Mineirão, Itaquerão e outros
inventados pelo povão são de difícil compreensão para quem não fala o vernáculo
e muito menos conhece os jargões da patuleia. Com a propensão de adaptar-se a
quaisquer circunstâncias desfavoráveis, o nosso povo resolveu o suposto impasse
à sua maneira safa e malandra.
Desde o começo do século 20, quando o futebol começou a ser
jogado aqui com exóticas palavras britânicas, o brasileiro foi capaz de
naturalizar vocábulos e sem cerimônia compreendeu que Foot-ball é “Futebol”,
goleiro é “golquíper”, defensor recuado é “beque”, meio-campista é
“centerralfe”, escanteio é “córner”, penalidade máxima é “pênalti”, e assim por
diante.
Cada um desses vocábulos narrados pelos locutores de rádio
do passado e repetidos nas arquibancadas e bares com as variantes de sotaque
próprias da imensidão do país enriqueceu a língua nacional e nunca impediu que
as regras do futebol e a maneira de escalar as equipes fossem bem assimiladas.
Mas, devemos confessar que não ficou claro se no afã de
assegurar o “interesse internacional” e os indeclináveis contratos comerciais
para exibir melhor as marcas dos seus anunciantes, a Fifa tem implícito algum
plano de “alfabetização” às avessas, para que alguns sonoros vocábulos com que
se designam as mães dos juízes (de futebol) sejam pronunciados em inglês ou,
quem sabe, no francês de Monsieur Jérôme.
E para completar o rol de estupidezes, bateu em nós essa
estranha mania de chamar campo e estádio de arena. Talvez tudo tenha coerência
com os costumes da época. O povão, que gosta de uma boa dose de Serra Grande,
Pitú, Saborosa ou 51, e antes dos jogos forra as tripas com acarajé, abará ou
sarrabulho, já não frequenta os estádios. Vê os jogos em aparelhos de televisão
comprados a prazo, pois o ingresso, cotado em euro ou dólar, é privilégio da
elite cosmopolita, que não compreende que o futebol – pelo menos no Brasil –
não é um evento de consumo, mas uma manifestação da alma nacional. Somente numa
época como esta um Valcke da vida se transforma em autoridade supranacional.
Fontes: Portal 2014 e Vermelho
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